Nas asas breves do tempo Um ano e outro passou, E Lia sempre formosa Novos amores tomou. Novo amante mão de esposo, De mimos cheia, lh'of'rece; E bela, apesar de ingrata, Do que a amou Lia se esquece. Do que a amou que longe pára, Do que a amou, que pensa nela, Pensando encontrar firmeza Em Lia, que era tão bela! Nesse palácio deserto Já luzes se vêm luzir, Que vem nas sedas, nos vidros Cambiantes refletir. Os ecos alegres soam, Soa ruidosa harmonia, Soam vozes de ternura, Sons de festa e d'alegria. E qual ave que em silêncio A face do mar desflora, À noite bela fragata Chega ao porto, amaina, ancora. Cai da popa e fere as ondas Inquieta, esguia falua, Que resvala sobre as águas Na esteira que traça a lua. Já na vácua praia toca; Um vulto em terra saltou, Que na longa escadaria Presago e torvo enfiou.. Malfadado! por que aportas A este sítio fatal! Queres o brilho aumentar Das bodas do teu rival? Não, que a vingança lhe range Nos duros dentes cerrados, Não, que a cabeça referve Em maus projetos danados! Não, que os seus olhos bem dizem O que diz seu coração; Terríveis, como um espelho, Que retratasse um vulcão. Não, que os lábios descorados Vociferam seu rival; Não, que a mão no peito aperta Seu pontiagudo punhal. Não, por Deus, que tais afrontas Não as sói deixar impunes, Quem tem ao lado um punhal, Quem tem no peito ciúmes! Subiu! - e viu com seus olhos Ela a rir-se que dançava, Folgando, infame! nos braços Porque assim o assassinava. E ele avançou mais avante, E viu. . . o leito fatal! E viu. . . e cheio de raiva Cravou no meio o punhal. E avançou... e à janela Sozinha a viu suspirar, - Saudosa e bela encarando A imensidade do mar. Como se vira um espectro, De repente ela fugiu! Tal foge a corça nos bosques Se leve rumor sentiu. Que foi? - Quem sabe dizê-lo? Foram vislumbres de dor: Coração, que tem remorsos, Sente contínuo terror! Ele à janela chegou-se, Horrível nada encontrou. . . Somente, ao longe, nas sombras, Sua fragata avistou. Então pensou que no mundo Nada mais de seu contava! Nada mais que essa fragata! Nada mais de quanto amava! Nada mais!... - que lh'importava De no mundo só se achar? Inda muito lhe ficava - Água e céus e vento e mar. Assim pensava, mas nisto Descortina o seu rival, Não visto; - a mão na cintura Cingiu raivoso o punhal! Mas pensou. . . - não, seja dela, E tenha zelos como eu? - Larga o punhal, e um retrato Na destra mão estendeu. Porém sentiu que inda tinha Mais que branda compaixão; Miserando! inda guardava Seu amor no coração. Infeliz! não foi culpada; Foi culpa do fado meu! Nada mais de pensar nela; Finjamos que ela morreu. Por entre a turba que alegre No baile - a sorrir-se estava, Mudo, triste, e pensativo Surdamente se afastava. De manhã - quando o sarau Apagava o seu rumor, Chegava Lia a janela, Mais formosa de palor. Chegou-se; - e além -.- no horizonte Uma vela inda avistou; E co'a mão trêmula e fria O telescópio buscou! Um pavilhão viu na popa, Que tinha um globo pintado; E no mastro da mezena Um negro vulto encostado. Eram chorosos seus olhos, Os olhos seus enxugou; E o telescópio de novo Para essa vela apontou. Quem era o vulto tão triste Parece reconheceu; Mas a vela no horizonte Para sempre se perdeu.