Mentiras sobre IA

Existe uma bolha da aprendizagem automática, mas a tecnologia veio para ficar. Quando a bolha rebentar, o mundo será alterado pela aprendizagem automática. Mas provavelmente será pior, não melhor.

Contrariamente às expectativas sobre a IA dos mais pessimistas, o mundo não se vai afundar mais rapidamente graças à IA. Os avanços contemporâneos na aprendizagem automática não nos estão a aproximar da inteligência artificial geral e, como Randall Monroe referiu em 2018:

Agora. A IA torna-se suficientemente avançada para controlar enxames imparáveis de robôs assassinos. A parte que me preocupa. A IA torna-se autoconsciente e rebela-se contra o controlo humano. A parte com que muitas pessoas parecem preocupar-se.

O que vai acontecer à IA é o velho e aborrecido capitalismo. A sua capacidade de se manter no poder consistirá em substituir humanos competentes e caros por robôs baratos e de má qualidade. Os grandes modelos de linguagem são um bom avanço em relação às cadeias de Markov, e o Stable Diffusion pode gerar imagens que só são um pouco estranhas com manipulação suficiente dos comandos. Os programadores medíocres usarão o GitHub Copilot para escrever código trivial e de base (código trivial é tautologicamente desinteressante), e a aprendizagem automática provavelmente continuará a ser útil para escrever cartas de apresentação. Os carros autónomos podem aparecer A Qualquer Momento™, o que vai ser ótimo para os entusiastas da ficção científica e para os tecnocratas, mas muito pior em todos os aspectos do que, digamos, construir mais comboios.

As maiores mudanças duradouras na aprendizagem automática serão, antes, as seguintes:

  • Redução da mão de obra para trabalhos criativos especializados.
  • A eliminação completa de humanos em funções de apoio ao cliente.
  • Conteúdos de spam e phishing mais convincentes, fraudes mais escaláveis.
  • Conjuntos de servidores geradores de conteúdos optimizados para motores de busca a dominar os resultados de pesquisa.
  • Conjuntos de servidores geradores de livros (tanto eletrónicos quanto em papel).
  • Conteúdos gerados por IA a inundar as redes sociais.
  • Propaganda e campanhas de ativistas fictícios, tanto na política como na publicidade

As empresas de IA continuarão a gerar resíduos e emissões de CO2 a uma escala enorme à medida que recolhem agressivamente todo o conteúdo da Internet que conseguem encontrar, externalizando os custos para a infraestrutura digital mundial, e alimentam os servidores de GPU com esse tesouro para gerar os seus modelos. Os humanos talvez tenham poder de decisão, ajudando a etiquetar os conteúdos, procurando os mercados mais baratos com as leis laborais mais fracas com o objetivo de construir fábricas que exploram os trabalhadores para alimentar o monstro de dados da IA.

Nunca mais confiarás noutra avaliação de produto. Nunca mais voltarás a falar com um ser humano do teu fornecedor de acesso à Internet. Os meios de comunicação social insípidos e concisos encherão o mundo digital à tua volta. A tecnologia criada para gerar engajamento em escala — aqueles vídeos editados por IA com uma voz de máquina irritante que tens visto nos teus canais ultimamente — será convertida numa marca branca e utilizada para promover produtos e ideologias a uma escala maciça com um custo mínimo a partir de contas de redes sociais que são preenchidas com conteúdo de IA, geram uma audiência e são vendidas por grosso e em ordem com o Algoritmo.

Todas estas coisas já estão a acontecer e vão continuar a piorar. O futuro dos meios de comunicação social é uma regurgitação insípida e sem alma de todos os média que vieram antes da época da IA, e o destino de todos os novos meios de comunicação social criativos é serem subsumidos no turbilhão matemático.

Isto será incrivelmente lucrativo para os patrões da IA e, para garantir o seu investimento, estão a desenvolver uma imensa e dispendiosa campanha de propaganda a nível mundial. Para o público, as capacidades actuais e potenciais futuras da tecnologia são representadas em promessas ridículas. Em reuniões à porta fechada, são feitas promessas muito mais realistas de reduzir para metade os orçamentos dos salários.

A propaganda também se apoia no cânone místico da ciência ficção sobre a IA: a ameaça de computadores inteligentes com poder para acabar com o mundo, o fascínio proibido de um novo Projeto Manhattan e todas as suas consequências, a singularidade há muito profetizada. A tecnologia não está nem perto deste nível, um facto bem conhecido dos especialistas e dos próprios patrões, mas a ilusão é mantida no interesse de pressionar os legisladores a ajudarem os barões a erguer um muro à volta da sua nova indústria.

É claro que a IA representa uma ameaça de violência, mas, como refere Randall, não é da própria IA, mas sim das pessoas que a empregam. O exército dos EUA está a testar drones controlados por IA, que não serão autoconscientes, mas que irão aumentar os erros humanos (ou a malícia humana) até que pessoas inocentes sejam mortas. As ferramentas de IA já estão a ser utilizadas para estabelecer condições de fiança e liberdade condicional — podem colocar-te na prisão ou manter-te lá. A polícia está a utilizar a IA para reconhecimento facial e «policiamento preditivo». É claro que todos estes modelos acabam por discriminar as minorias, privando-as da liberdade e, muitas vezes, levando-as à morte.

A IA é definida por um capitalismo agressivo. A exagerada bolha foi criada por investidores e capitalistas que injectaram dinheiro nela, e os rendimentos que esperam obter desse investimento vão sair do teu bolso. A singularidade não está a chegar, mas as promessas mais realistas da IA vão tornar o mundo pior. A revolução da IA chegou, e não me agrada.

Mensagem provocadora

Tinha um artigo muito mais inflamado esboçado para este tópico com o título «ChatGPT é o novo substituto tecnoateísta de Deus». Faz algumas comparações bastante incisivas entre o culto às criptomoedas e o culto à aprendizagem automática e a fé religiosa, inabalável e em grande parte ignorante em ambas as tecnologias como precursoras do progresso. Foi divertido de escrever, mas este é provavelmente o melhor artigo.

Encontrei este comentário no Hacker News e citei-o no rascunho original: «Provavelmente vale a pena falar com o GPT4 antes de procurar ajuda profissional [para lidar com a depressão]».

Caso precises de ouvir isto: não procures (aviso: suicídio) os serviços da OpenAI para te ajudar com a tua depressão. Encontrar e marcar uma consulta com um terapeuta pode ser difícil para muitas pessoas — é normal que sintas que é difícil. Fala com os teus amigos e pede-lhes que te ajudem a encontrar os cuidados adequados às tuas necessidades.

Este artigo é uma tradução de «AI crap» publicado pelo Drew Devault sub a licença CC BY-SA 2.0.

Super-bolha: mudança tecnológica, económica e social?

Há uma super-bolha prestes a rebentar: os preços das habitações subiram em flecha, as acções estão muito sobrevalorizadas, a comida é mais cara, os preços do petróleo dispararam. O que acontecerá quando a bolha rebente?

Alguns dizem que a sociedade industrial está a colapsar; outros pensam que em breve haverá uma depressão. Orientar o sistema para um crescimento económico sem fim quando vivemos num planeta com recursos limitados é um absurdo. No entanto, o sistema capitalista depende desde crescimento para se manter à tona. Alguns propõem a colonização do espaço para evitar o colapso do capitalismo.

A curto prazo, a pobreza irá aumentar. Aqueles que não possuem bens geradores de riqueza (ativos) terão de vender a sua força de trabalho a um preço mais baixo (se encontrarem emprego quando o desemprego aumentar ainda mais), roubar ou depender de esmolas. Para aqueles que têm capital ou propriedades onde cultivar alimentos, acesso a água potável e habitação é mais fácil. Poderá esta ser uma oportunidade, a longo prazo, para fomentar outros tipos de valores?

O aumento das temperaturas já desencadeou ciclos de retroalimentação que levam a novos aumentos de temperatura (que estão a aumentar os eventos climáticos extremos, o nível do mar, a desertificação, etc.). Por exemplo, à medida que os polos derretem, menos radiação solar é reflectida, pelo que as temperaturas sobem; à medida que a camada de gelo se dissolve, o metano (um gás com efeito de estufa) é libertado para a atmosfera; à medida que as florestas e os recifes de coral desaparecem, menos CO2 é absorvido.

Existem tecnologias que favorecem a acumulação de capital em poucas mãos e implicam enormes custos energéticos, e existem tecnologias descentralizadas, livres e eficientes. Os problemas que temos não são em absoluto apenas tecnológicos, mas a tecnologia está a acrescentá-los. Será que o rebentar da super-bolha conduzirá a mudanças tecnológicas, económicas e sociais?

Nada dura para sempre.

Imagem Coit Tower fresco - the stock crash por Zac Appleton.